sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Apartamento

Esse texto é de 25 de novembro de 2008, o original está em www.ariareia.blogspot.com - por sinal, meio abandonado aquele blog - como minha última postagem lá foi um texto daqui resolvi trazer um de lá pra cá. Reformulado, na minha opinião, melhorado: Apartamento.

Pela janela aberta daquele décimo andar, se alguém pudesse olhar de fora para dentro, veria uma mesa redonda num espaço que, provavelmente, seria uma sala de jantar. Perceberia, pela janela, um ambiente simples, sem muito ornamento, embora pertencesse a uma mulher (O que ficava claro por conta daquela toalha quadriculada em tons diferentes de vermelho sobre um fundo alvo, com um jarro de flores amarelas e brancas em cima, e por causa dos dois pratos e talheres para duas pessoas dispostos, à la buffet, sobre a mesa redonda com aquela toalha quadriculada). Era a casa dela sim, mas, talvez, fosse dele também, dos dois. Quem seriam eles? Os dois seriam estranhos ao observador aéreo e não se dariam a conhecer em momento algum, pois estariam em outro cômodo, a que aquela janela não dava acesso visual. E nada mais se veria, mesmo que o observador, supostamente alado, mudasse de ângulo à la volonté. Todo o resto era somente aquela sala de jantar vazia por onde ecoava ama voz da mulher vinda de algum lugar, do apartamento:
- Gerard, diz que você não quis dizer o que disse, diz. Olha para mim, Gerard...
Fala que ainda me ama e repete aquele galanteio que eu adoro: 'Simone, mon amour...'
Ei, olha para mim por favor! Lembra daquele dia? O nosso dia!? Ficamos, nós dois, aqui sozinhos a tarde inteira enquanto lá fora chovia, eu adorei ficar assim com você.
Gerard, olha para mim!!! O que foi que aconteceu, heim? Ou quem foi que...
Chega. Eu já entendi...

Como é que você fez uma coisa dessas comigo? Eu fui tão idiotamente passional com você, Gerard, passei a viver em sua função, passei a depender organicamente de você, seu cafajeste! Vá embora, vá. Era tudo mentira, não é: 'Simone mon amour', tudo mentira.
Pára! Eu não pedi que você enxugasse minhas lágrimas.
Sai, não quero que me beije.
Gerard, não me segura assim... Gerard... Gerar... Fica Gerard, fica...
- Não dá mais, Simone. Acabou...
O pianista dedilha de forma espaçada, mas forte, enquanto a voz tremula e chorosa de mulher balbucia:
"Ne me quitte pas... Ne me quitte pas... Ne me quitte pas..."